O “governo itinerante” dos pastores evangélicos 

O “governo itinerante” dos pastores evangélicos 

12 de abril de 2022 0 Por Redação Em Notícia

“Muitas vezes você ouve histórias em Brasília que nunca vai conseguir provar”, nos disse o repórter Breno Pires, que atua com investigação em política na sucursal brasiliense do jornal O Estado de S.Paulo. Uma das informações mais recentes que recebeu de uma fonte, no entanto, o levou a publicar uma série de denúncias envolvendo o Ministério da Educação (MEC). A pauta mobilizou a imprensa nacional em busca de mais informações e resultou na queda do ministro Milton Ribeiro.

A primeira reportagem, intitulada “Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do Ministério da Educação”, revelou que os pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura agiram como lobistas ao direcionarem recursos do MEC a prefeituras ligadas aos partidos do núcleo duro do Centrão (Progressistas, PL e Republicanos). A reportagem identificou a presença dos religiosos em 22 agendas oficiais da pasta no período de um ano e meio, sendo que a maior parte dos encontros contou com a presença do então ministro. Os pastores também foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro.

Breno Pires contou com a parceria dos repórteres Felipe Frazão e Julia Affonso para produzir o material, que foi publicado no dia 28 de março pelo jornal O Estado de S.Paulo, após uma semana intensa de apuração. A descoberta foi consequência da investigação que vinha fazendo desde o ano passado sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) — autarquia vinculada ao MEC que tem recursos do orçamento secreto e gera interesse dos aliados do governo.

A informação que chegou ao repórter através de uma fonte veio com o adicional de que os pastores estariam cobrando propina para liberar os recursos do MEC. Só que, para comprovar essa informação, a equipe levaria mais tempo e as evidências levantadas até aquele momento já indicavam a influência exercida pelos pastores dentro da pasta.

A primeira medida tomada pelos repórteres após descobrir os nomes dos pastores foi fazer o download das agendas do gabinete. Pires sugere baixar as planilhas com as agendas completas em formato CSV, pois nem sempre a ferramenta de busca do site traz todas as informações.

Os repórteres dividiram as tarefas para analisar as agendas, examinar postagens nas redes sociais dos pastores e vídeos de eventos publicados por emissoras locais e entender as conexões políticas dos pastores contatando políticos das regiões por onde o “governo itinerante”, nas palavras dos religiosos, passou.

“O enredo da primeira matéria mostra esses dois pastores atuando como lobistas. Encontramos diversos vídeos em que eles estavam com o ministro Milton Ribeiro nos eventos”, contou Pires à Investigadora. Segundo o repórter, um dos pastores fala como se fosse um integrante do ministério. “Ficou muito evidente que havia uma espécie de gabinete paralelo no qual estava ocorrendo atendimento a prefeitos ligados ao grupo de pastores”, disse Pires.

#PraTodosVerem: Vídeo publicado pelo Estadão mostra os pastores dando entrevistas e falando em eventos sobre os recursos do MEC. 

Quatro dias depois, os repórteres comprovaram o pedido de propina. Em reportagem publicada no dia 22 de março, Breno Pires, André Shalders e Julia Affonso revelaram trecho de uma entrevista em que o prefeito do município de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), confirma ter sido abordado pelo gabinete paralelo. No áudio, o prefeito conta que o pastor Arilton Moura requisitou R$ 15 mil antecipados para protocolar demandas da prefeitura, além de um quilo de ouro após a liberação dos recursos.

Pires garantiu a entrevista às 20h, após um dia inteiro de muitas tentativas. A equipe fez um esforço coletivo para virar a manchete e assegurar a publicação no jornal do dia seguinte. “Foi o primeiro prefeito a falar; e outros endossaram o enredo de corrupção, que envolvia também a compra de Bíblias a pedido dos pastores”. 

A reportagem que, na avaliação de Pires, foi o estopim para desbancar o ministro foi a que revelou fotografias de Milton Ribeiro e dos pastores estampadas em exemplares de uma edição da Bíblia distribuídos em um evento do MEC no município de Salinópolis (PA). No mesmo dia, em 28 de março, o ministro pediu demissão do cargo. Segundo a apuração, a edição dos exemplares foi feita pela Igreja Ministério Cristo para Todos, que tem uma gráfica em Goiânia.

Em pesquisa ao CruzaGrafos, verificamos que o pastor Gilmar Santos é sócio do Ministério Cristo para Todos e da editora de mesmo nome. Sua filha, Quezia Ribeiro dos Santos, é sócia da editora. Matéria publicada pela Folha de S.Paulo aponta que a filha do pastor trabalha como secretária parlamentar no gabinete do deputado federal João Campos (Republicanos-GO).

#PraTodosVerem: Print do CruzaGrafos mostra as seis instituições e empresas religiosas a que o pastor Gilmar Santos é ligado. 

Como desdobramento da investigação, os repórteres do Estadão revelaram ainda que o Programa Caminho da Escola, cujos recursos saem do FNDE, foi usado para designar dinheiro a prefeitos e estados governados por políticos do Progressistas, e que uma licitação bilionária foi publicada com o intuito de comprar ônibus escolares com preços inflados.

Outros veículos de imprensa  trouxeram novos e importantes elementos sobre o caso. A Folha de S. Paulo divulgou um áudio em que o então ministro Milton Ribeiro afirma ter priorizado prefeituras a partir da negociação feita pelos pastores a pedido do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), numa reportagem de Paulo Saldaña. O Globo, por sua vez, trouxe à tona dois prefeitos que receberam pedidos de propina em troca de liberação de recursos do MEC e mostrou a proximidade dos religiosos com parlamentares no Congresso. As reportagens foram assinadas por Daniel Gullino e Geralda Doca e Julia Lindner e Bruno Góes.

Após a publicação das reportagens, o Ministério Público Federal anunciou ter solicitado abertura de inquérito junto ao TCU. A Polícia Federal também comunicou que pretende investigar as suspeitas de que tenha havido favorecimento na distribuição das verbas do ministério. O ex-ministro e autoridades da Educação também foram chamados a prestar esclarecimentos no Congresso Nacional. No entanto, segundo Pires, o MEC, a CGU e a PF não apresentaram o atual estágio das investigações.

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