Piso da enfermagem: 2023 foi marcado por negociações e desacordos na implementação da portaria que define salário da categoria
20 de dezembro de 2023Profissionais que ainda não receberam os reajustes prometem novas reivindicações em 2024
Para alguns profissionais da saúde, o ano de 2023 foi satisfatório após a implementação do piso nacional da enfermagem. Mas para outros, os desafios continuam. Uma parcela da categoria permanece em busca da aplicação integral do piso salarial em todo o território nacional. Na opinião do advogado especialista em direito da saúde, Josenir Teixeira, ainda não existem motivos para comemorações. Segundo ele, a lei tem cerca de ano e três meses, mas até hoje não foi aplicada.
“Ela privilegiou uma classe que deve ser respeitada, mas em detrimento de várias outras que também atuam na área da saúde e também precisam ser respeitadas, reconhecidas e remuneradas de forma justa e digna”. Para Josenir Teixeira, a situação é bem delicada de se resolver. “Os trabalhadores querem receber exatamente o que a lei prevê e os empregadores não possuem dinheiro para pagar, sendo que o repasse do governo será insuficiente para isso”, avalia.
As discussões se arrastaram em estados e municípios que, até hoje, não resolveram a situação. Ao longo do ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi chamado pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) — que representa a categoria patronal de estabelecimentos privados de saúde —, para mediar a situação. De acordo com o presidente da CNSaúde, Breno Monteiro, o problema já poderia ter sido resolvido se, desde o processo legislativo, existisse um cuidado para se identificar as possibilidades e a viabilidade para efetuar o pagamento.
“O impacto era de mais de 16 bilhões de reais para o pagamento do piso e obviamente isso num custo muito alto, de acréscimo em folha de pagamento para o serviço de saúde — e a gente não conseguiu ainda”, pontua.
Já os enfermeiros, técnicos em enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras de todo o país, não ficaram satisfeitos com as propostas apresentadas durante as negociações. O conselheiro do Conselho Nacional de Enfermagem (Cofen), Daniel Menezes, reconhece que o ano de 2023 foi importante para a implementação do piso da categoria, mas admite que o cenário ainda não é favorável para todos.
“A nossa expectativa é que a gente consiga fazer a implementação a 100%. Então toda essa luta de 2023 ela continuará em 2024”, reforça.
Solução que não atende
Alguns estados e municípios fizeram o repasse dos salários da categoria, após rodadas de negociações. Em Minas Gerais, por exemplo, o governo realizou o pagamento de R$ 27 milhões para cerca de 120 prestadores filantrópicos de serviços da área da saúde, referente ao Piso Nacional da Enfermagem.
No Rio de Janeiro, a situação também é favorável. O estado recebeu repasse do Ministério da Saúde, no valor de R$ 22,3 milhões. Pelo cronograma da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ), 3.198 profissionais vinculados à Fundação Saúde e às organizações sociais, receberiam primeiro em folha suplementar. Já os 3.862 terceirizados que atuam na rede estadual tiveram o benefício depositado em dezembro.
Apesar do repasse ter sido feito, alguns profissionais reclamam que o acordo ainda não foi o ideal. A técnica de enfermagem Patricia Monteiro Vieira Almeida trabalha em uma rede privada de hospitais. Ela conta que o processo para tentar resolver a situação foi difícil. Para a profissional, a solução encontrada não atende completamente.
“Esse acordo não atende muitos profissionais da saúde, por estar sendo feito fora da lei, a lei do Piso Nacional da Enfermagem. Porém, a gente sabe que por lei, o que a gente esperava, o cenário que a gente esperava era estar recebendo o valor integral do piso nacional. E não está sendo dessa forma”, desabafa.
O advogado especialista em direito da saúde, Josenir Teixeira, concorda. “Se eu sou enfermeiro eu tenho uma lei que fala que eu tenho que receber 4.750 como piso eu nunca vou abrir mão desse direito é um direito buscado há anos. E se eu tenho uma lei que me garante esse direito, porque eu vou abrir mão dele”, analisa.
A advogada especialista em direito público do Kolbe Advogados Associados, Anna Cecília Tibério, ainda acrescenta: “Alguns hospitais e áreas da saúde não querem fazer o valor do retroativo, apenas fazer o pagamento a partir do momento que a entrada em vigor da legislação. Assim, vem travando os recebimentos dos profissionais”, salienta.
Expectativa para 2024
Enquanto de um lado parte do problema foi resolvido, do outro, os desafios continuam. De acordo com informações do Sinsaúde — entidade que atua junto aos órgãos sindicais, governamentais e empresariais propondo ações que visam a melhoria do sistema de saúde —, os trabalhadores do Hospital Novo Atibaia, que integra a Rede D’Or, conseguiram reajuste salarial de 3,74% e o pagamento do Piso Nacional da Enfermagem. Os encontros duraram meses, com várias negociações que culminaram em cinco dias de greve. Com a solução, mais de mil foram funcionários beneficiados com o acordo firmado entre o Sinsaúde e a Rede D’Or.
O Secretário Geral da Condsef, Sergio Ronaldo da Silva, informa que a categoria também permanece sem acordo e promete continuar os debates e uma definição em 2024. Para ele, é muito importante que os profissionais passem a receber o piso, conforme determinado.
De acordo com o advogado especialista em direito da saúde,Josenir Teixeira, é possível que, em 2024 os trabalhadores que esperam uma solução continuem sem respostas.
“Se os representantes dos enfermeiros, o Conselho Federal de Enfermagem, os conselhos regionais e o sindicato dos enfermeiros, e do outro lado, os empregadores, tanto públicos quanto privados, se ninguém chegar a um acordo, o que vai acontecer é que a lei terá que ser cumprida. Você tem que cumprir, porque ela é fruto da decisão do Congresso Nacional representado pelas pessoas, deputadas e senadores que nós elegemos”, ressalta.
Representante de mais de 5,2 mil municípios, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) demonstra preocupação com a não-inclusão do recolhimento de encargos patronais. Segundo a entidade, isso poderia trazer mais desequilíbrio nos municípios, em especial nas localidades mais pobres. Conforme estimativas da CNM realizadas em setembro de 2022, do impacto global de R$ 10,5 bilhões, ao menos 24% (R$ 2,5 bilhões) seriam pagamentos das prefeituras a título de encargos patronais.
Entenda o impasse
Desde agosto de 2022, foram pautados sete recursos da categoria contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, entre outras implicações, obrigava os profissionais a cumprirem uma carga horária de trabalho de 44 horas semanais para o recebimento do piso. E esse tem sido o gargalo das negociações. Desta forma, o pagamento mensal seria proporcional nos casos de contratos com carga horária menor — o STF definiu que o piso nacional da enfermagem fosse pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos repasses federais. A partir desse momento, os profissionais passaram a reivindicar o pagamento do piso independente da carga horária.
Na opinião do advogado especialista em direito médico, Josenir Teixeira, a situação do pagamento do piso da enfermagem é bem delicada. “O pessoal da enfermagem quer receber, porque a lei diz isso e do ponto de vista legal, do ponto de vista jurídico, eles têm direito. Já o pessoal dos hospitais privados não tem dinheiro para pagar, porque a lei foi feita de baixo para cima, incluindo na folha de pagamento uma despesa não prevista e não tem como”, explica.
Segundo ele, para que a lei seja cumprida, o governo está subsidiando estados e municípios para que eles repassem o dinheiro para as entidades privadas para que elas paguem os trabalhadores.
“Na prática, em última análise, quem vai pagar o Piso Salarial Nacional da Enfermagem é o governo, ou seja, somos nós porque é fruto do dinheiro do imposto que a gente arrecada, porque o governo não produz riqueza. O governo só gasta riqueza que é gerada pelos impostos que nós pagamos”, observa.
Já em 2023, o governo federal sancionou a Lei n.°14.581/2023 que garantiria um crédito especial de R$ 7,3 bilhões, para a Assistência Financeira Complementar aos estados, municípios e Distrito Federal referente ao pagamento do piso salarial dos profissionais de enfermagem. As diferenças entre as regras para o setor público em relação ao setor privado dependeriam das negociações coletivas, como determinado pelo STF.
Os gestores estaduais, municipais e do Distrito Federal seriam responsáveis por efetuar o pagamento dos colaboradores diretos, sejam servidores e ou empregados, bem como a transferência dos recursos às entidades privadas contratualizadas ou conveniadas, que atendam, pelo menos, 60% de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 21 de agosto, o Ministério da Saúde fez o primeiro repasse adicional aos estados e municípios do piso nacional da enfermagem. Até o fim de 2023, foi definido o pagamento de nove parcelas, incluindo o 13º salário. Os valores praticados são: enfermeiros: R$ 4.750, técnicos de enfermagem: R$ 3.325 e auxiliares e parteiras: R$ 2.235.