CNJ adota recomendações para combater litigância abusiva no Judiciário

CNJ adota recomendações para combater litigância abusiva no Judiciário

8 de novembro de 2024 0 Por Redação Em Notícia

Durante a 13ª Sessão Ordinária deste ano, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concedeu integralmente uma proposta de recomendação exposta pelo presidente do órgão e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e pelo corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques, com parâmetros para identificação, abordagem e medidas de prevenção contra o fenômeno da litigância abusiva no Judiciário.

Essas práticas são consideradas pelo CNJ como condutas infundadas com o intuito de prejudicar uma das partes no processo judicial, por meio de posturas desnecessárias e supérfluas, que atrasem ou prejudiquem o andamento da ação. Diante da gravidade desses efeitos, esse comportamento pode ser considerado litigância predatória. A fundadora do Instituto TornaVoz, Taís Gasparian, afirma que a aprovação desta recomendação é um sinal relevante da preocupação do Poder Judiciário com o uso abusivo do direito de ação.
“A questão é complexa e já foi muito bem tratada pelo STF na ADI 7055, da Abraji, que buscava combater o assédio judicial. Nesse ato do CNJ, são contemplados não apenas esses casos, como também todos os tipos de litigância predatória, o que é ainda mais abrangente e certamente trará resultados. O mais importante é a sinalização que o Judiciário expressa aos cidadãos de que o assédio não será mais tolerado”, avalia a advogada.

Em maio deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso julgou totalmente procedente a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7055, proposta pela Abraji em 2021. Essa ação buscava estabelecer que, em casos de assédio judicial, o foro competente fosse o domicílio do réu e que todos os processos conexos fossem reunidos para julgamento conjunto. Além disso, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da prática de assédio judicial contra os profissionais de imprensa e estabeleceu um regime de responsabilização da imprensa, concedendo em parte os pedidos da ADI 6792, apresentada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Katia Brembatti, presidente da Abraji, reafirma a notoriedade das ações do Judiciário e espera, com isso, resultados significativos para combater e reduzir os números de ações abusivas contra jornalistas no Brasil. “Esses processos servem para tentar intimidar os jornalistas. Estamos analisando uma série de medidas, especialmente na área Anti-SLAPP, para combater ainda mais essa litigância inadequada que tem ocorrido”, afirma.

“Essa medida do Judiciário pode não trazer resultados práticos imediatos, mas é uma importante sinalização de que a Justiça está percebendo que há um problema e que esse problema precisa ser contido pra evitar mais danos. É um primeiro passo pra tentar reduzir o número de processos instaurados contra profissionais e meios de imprensa como tentativa de retaliação, silenciamento ou intimidação”, disse Katia.

A Abraji e a Transparência Internacional – Brasil, com especialistas da Europa e do continente africano, têm se posicionado a favor das chamadas leis Anti-SLAPP (Strategic Lawsuit Against Public Participation, ou litígio estratégico contra a participação pública, em português). Em uma reunião promovida por ambas as organizações no 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, em São Paulo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, declarou se comprometer a priorizar a criação de uma lei para coibir o assédio judicial contra jornalistas e ativistas.

O diretor-executivo da Transparência Internacional – Brasil, Bruno Brandão, avalia que as novas recomendações contra a litigância abusiva são necessárias, porém, ainda não suficientes para sanar as gravidades do problema. Ele ressalta que, por não se tratar de uma decisão legalmente vinculante, há certas limitações de alcance. “Já vimos isso acontecer com recomendações anteriores do CNJ, que tiveram a importância de marcar uma direção e chamar atenção para o problema, mas foram incapazes de efetivamente saná-lo”, pontua.

Brandão também destaca a importância de os profissionais de imprensa conhecerem as recomendações, pois elas podem ser úteis em suas defesas contra ações judiciais retaliatórias. Ele reforça a necessidade de ações de conscientização e de uma regulação legal eficaz, e considera fundamental a parceria entre a Abraji e a Transparência Internacional na luta contra o assédio judicial no Brasil.

Ambas as instituições, além de outras organizações, acompanham algumas decisões judiciais da União Europeia a fim de criar uma lei que proteja jornalistas, defensores ambientais, defensores dos direitos humanos, acadêmicos e whistleblowers do assédio judicial. Em fevereiro de 2024, o Parlamento Europeu aprovou a Diretiva anti-SLAPP, conhecida como Lei de Daphne, que estabelece a formulação de uma legislação específica nos Estados-membros no prazo de dois anos.

OAB critica a decisão

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou uma nota no dia seguinte da aprovação das recomendações, afirmando que as mesmas “impactam diretamente no exercício profissional dos advogados”. A declaração oficial também destacou a não participação de representantes da advocacia no processo, já que suas vagas estão à espera da deliberação do Senado Federal.

A Organização considerou a aprovação das medidas precipitada, já que está em curso a tramitação de um debate judicial sobre o mesmo tema, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Recurso Especial (REsp) 2.021.665 (tema 1.198).

Por fim, a OAB afirma recear que a decisão do CNJ resulte na lentidão dos processos, comprometa o acesso à Justiça e aumente os custos para aqueles que buscam esse acesso. “O Conselho Federal da OAB esclarece que a fiscalização do exercício profissional da advocacia compete, por determinação legal, à Ordem. Dessa forma, não é possível estabelecer uma presunção baseada em conceitos genéricos sobre a atuação abusiva em demandas de massa”, afirma a nota.

Recomendações de medidas judiciais contra litigância abusiva aprovadas pelo CNJ

  1. Protocolo de análise: implementar protocolos para análise rigorosa das petições iniciais e triagem processual, a fim de identificar padrões de litigância abusiva.
  2. Audiências preliminares: realizar audiências preliminares ou diligências probatórias para verificar a autenticidade das ações, o interesse processual e a boa-fé dos litigantes.
  3. Métodos consensuais: incentivar o uso de mediação e conciliação, promovendo a participação simultânea de procuradores e partes nas audiências.
  4. Documentação socioeconômica: notificar as partes para apresentar documentos que comprovem a condição socioeconômica atual nos pedidos de gratuidade da Justiça, utilizando ferramentas como Infojud e Renajud quando necessário.
  5. Inversão do ônus da prova: avaliar cuidadosamente os pedidos de inversão do ônus da prova, especialmente em relações de consumo.
  6. Julgamento conjunto: sempre que possível, julgar conjuntamente ações judiciais relacionadas para evitar decisões conflitantes (art. 55, § 3º, do CPC).
  7. Foro do domicílio do réu: reunir ações no foro do domicílio da parte demandada em casos de assédio judicial (ADIs 6.792 e 7.005).
  8. Gestão processual: implementar medidas para evitar o fracionamento injustificado de demandas entre as mesmas partes e relações jurídicas.
  9. Documentos originais: notificar a parte para apresentar documentos originais ou renová-los quando houver dúvida sobre sua autenticidade.
  10. Tentativa de solução administrativa: notificar para apresentar documentos que comprovem a tentativa de solução administrativa prévia para caracterizar a pretensão resistida.
  11. Comunicação à OAB: informar a Seccional da OAB local sobre indícios de captação indevida de clientela ou litigância abusiva.
  12. Custas processuais: notificar para pagamento de custas de demandas anteriores extintas antes de aceitar novas ações da mesma parte.
  13. Liberação de valores: adotar cautelas na liberação de valores em processos com indícios de litigância abusiva, especialmente em casos de vulnerabilidade econômica, exigindo a regularização de documentos.
  14. Divergências de endereço: notificar a parte autora para esclarecer divergências ou coincidências de endereço com seu advogado, quando registros diferentes forem encontrados.
  15. Exame pericial: realizar exame pericial grafotécnico ou verificar a regularidade de assinaturas eletrônicas para avaliar a autenticidade dos documentos.
  16. Providências policiais: requisitar ações à autoridade policial e compartilhar informações com o Ministério Público quando possível prática ilícita exigir investigação (CPP, art. 40).
  17. Atos processuais presenciais: realizar atos processuais presencialmente, mesmo em casos de juízo 100% digital.

    * Crédito da foto: G. Dettmar/Ag.CNJ
    * Matéria de autoria de Samara Meneses – ABRAJI

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