Vamos falar de Dificuldades de Aprendizagem?

Vamos falar de Dificuldades de Aprendizagem?

13 de julho de 2021 0 Por Wilson Bueno

Olá. Como neuropsicopedagogo, fui convidado para falar sobre o tema das Dificuldades de Aprendizagem para este periódico, o que me deixou lisonjeado. Mas imediatamente penso que isso traz uma grande responsabilidade.

Falar sobre Dificuldades de Aprendizagem requer uma abordagem responsável, técnica o suficiente para não cair na opinião pura e simples e ao mesmo tempo, numa linguagem que possa ser compreendida por leigos no assunto (nosso objetivo aqui). Sendo assim,  considero ser necessário tratar do tema em muitos artigos, razão pela qual, este será apenas o primeiro de muitos que serão apresentados nesta nova coluna.

Quero falar também sobre estratégias para o acompanhamento de nossas crianças e jovens que caminham pelo universo das Dificuldades de Aprendizagem, buscando com isso lançar uma luz para, quem sabe, ajudar aos nossos queridos pais e mães que estão enfrentando dificuldades nesta caminhada. Este material igualmente pode ser útil para professores e cuidadores. Se for, teremos alcançado nosso objetivo.

Vamos falar um pouco aqui sobre temas muito difundidos nas escolas por pais, alunos e professores atualmente, que está inserido no contexto das Dificuldades de Aprendizagem.

Sabemos que muitas crianças, jovens e adultos sofrem de transtornos não diagnosticados ou diagnosticados inadequadamente, que afetam muito a aprendizagem destes ao longo da vida.

Mas o que será mesmo essa sopa de letrinhas sobre as quais tanto ouço por aí: TDAH, Dislexia, Dispraxia, Autismo, X-Frágil, etc.. etc…

Vamos por partes.

O que é e quais as causas da dislexia e do TDAH?

Primeiramente temos que deixar claro não se tratar de uma doença. Muitas opiniões diferentes acerca da Dislexia e do TDAH são encontradas especialmente na internet. Muitas vezes, infelizmente, são informações incorretas ou imprecisas. Para não termos problemas assim, vou aqui utilizar a definição oficial para o significado de Dislexia e TDAH, usando as mesmas utilizadas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – o DSM V.

O DSM V é o manual de diagnósticos que todo o profissional utiliza ou deveria utilizar em seus processos de diagnóstico. É uma manual internacional para esta finalidade e, conforme o nome já diz, está na sua versão V, haja visto que é periodicamente atualizado (a versão V  data de 2013).

“A Dislexia, é um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia. Pode estar ainda associada a dificuldades na compreensão da leitura e no raciocínio matemático.”

A Dislexia é um transtorno e não uma doença, caracterizada por dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas, com a presença de sintomas característicos.

“O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade. Desatenção e desorganização envolvem incapacidade de permanecer em uma tarefa, aparência de não ouvir e perda de materiais em níveis inconsistentes com a idade ou o nível de desenvolvimento. Hiperatividade-impulsividade implicam atividade excessiva, inquietação, incapacidade de permanecer sentado, intromissão em atividades de outros e incapacidade de aguardar – sintomas que são excessivos para a idade ou o nível de desenvolvimento.”

Os sintomas aparecem na infância e geralmente são notados pelos profissionais de educação que trabalham com essa criança. São crianças “ligadas no 220” como alguns costumam dizer.

É na idade escolar que os problemas costumam ser notados. “O TDAH costuma ser identificado com mais frequência durante os anos do ensino fundamental, com a desatenção ficando mais saliente e prejudicial… Na pré-escola, a principal manifestação é a hiperatividade. A desatenção fica mais proeminente nos anos do ensino fundamental.”

Como vemos, tanto a dislexia quanto o tdah prejudicam o bom desempenho escolar, são notados logo cedo, antes dos 12 anos, sendo esta data para início um dos importantes critérios para o diagnóstico destes transtornos.

Não temos um marcador genético para a dislexia ou tdah, mas certamente genes específicos foram relacionados com o transtorno, embora sozinhos não constituem fatores causais necessários ou suficientes. Então não podemos identificá-las por um exame de sangue ou algo parecido. O diagnóstico é multidisciplinar e feito por especialistas de diversas áreas, como Neuropsicopedagogo (normalmente por onde o processo correto deve iniciar), neurologista, fonoaudiólogos, psicólogos, entre outros. É importante ainda os pais saberem que a forma como interagem em família no começo da infância da criança, provavelmente não causam TDAH, embora possam influenciar seu curso ou contribuir para o desenvolvimento secundário de problemas de conduta.

A família tem importância fundamental na formação da criança como sabemos. A forma como lidam com ela desde cedo pode ser saudável, fornecendo os estímulos corretos ou ser prejudicial, como dizemos tecnicamente, propiciando um ambiente de stress tóxico.

Experiências de laboratório já provaram que podemos influenciar negativamente o cérebro de nossas crianças à partir de estímulos do ambiente. Se temos um ambiente negativo, violento, de discussões e brigas, álcool, drogas (incluindo o cigarro), fazemos podas nos circuitos neuronais da criança, de forma que ela perca ligações entre neurônios e portanto, ao contrário de aumentar as ligações e ter um cérebro melhor preparado para os desafios da vida, vai infelizmente perdendo e ficando em situação de inferioridade, cognitivamente.

Agora fica um alerta. Quanto antes for realizado o diagnóstico e posterior acompanhamento, melhor o prognóstico e menos o prejuizo para as crianças. Não devemos deixar para depois! Se possível, o diagnóstico ideal se dá antes dos 3 anos de idade.

Como um professor ou profissional da educação pode reconhecer uma criança com esses transtornos?

Como dito anteriormente, os sinais aparecem logo na pré-escola e os professores ou cuidadores devem estar atento aos padrões de comportamento que desviam significativamente daqueles esperados para a idade. O diagnóstico como dito, é multidisciplinar, especializado, mas os sinais aparecem logo cedo e são perceptíveis.

O problema aqui é que além de se parecerem, normalmente encontramos crianças com diagnósticos simultâneos. Então é fundamental, assim que notarem sinais de desenvolvimento irregular, fora do padrão esperado para a idade, procurarem pelo neuropsicopedagogo, que é aquele profissional que está habilitado a fazer a ponte entre as áreas de educação e saúde e assim, em um trabalho multidisciplinar das os encaminhamentos necessários para o caso, realizando todo o acompanhamento necessário para o atendimento desta criança.

Como diferenciar, no âmbito escolar, crianças com dislexia e crianças com déficit de atenção e hiperatividade?

Como dito anteriormente, não devemos fazer essa tentativa. A dislexia, o TDAH, e outras síndromes podem estar presentes em uma mesma criança, ou ainda se parecerem com os sintomas de outras causas, que podem inclusive não serem de transtorno algum, mas de problemas relativos aos ambientes frequentados pela criança. O diagnóstico é feito em equipe, cada qual em sua especialidade, eliminando riscos para outros problemas ao longo de muita observação, testes e acompanhamento. Na escola ou na família infelizmente não temos como fazer esta distinção ou ainda, cravar que estamos falando de um problema apenas.

Como essas crianças devem ser tratadas e como as escolas podem treinar esse profissional isso?

As escolas têm participação fundamental no processo diagnóstico e no acompanhamento das crianças portadoras de dislexia ou tdah. Sua participação é outra. Elas têm informações importantíssimas decorrentes do convívio diário com a criança e com um olhar próprio de pedagogos. Informar o neuropsicopedagogo acerca das dificuldades de aprendizagem, dos problemas de comportamento, de informações acerca das alegrias, tristezas, preocupações que a criança traz para a escola e não necessariamente tenham origem nela é muito importante para ajudar no processo de diagnóstico.

Quando diagnosticamos uma criança como TDAH ou dislexica, oferecemos um laudo para os familiares e também o apresentamos para a escola. E isto remete ao assunto da pergunta seguinte.

Como a escola, o professor, o pedagogo e os outros profissionais devem trabalhar em conjunto para o bem-estar dessa criança?

De posse do laudo diagnóstico, atitudes importantes devem ser tomadas pela escola, visando favorecer a aprendizagem de tais crianças e ao mesmo tempo, dar o suporte que os pais esperam e que os fez tão preocupados com o desempenho de seus filhos até aqui.

Sabemos que até o diagnóstico os pais e mães frequentemente sofrem muito com esta situação e o laudo é um alívio, afinal temos a causa dos problemas de desempenho. Temos agora um norte para seguirmos. Este é o principal objetivo do diagnóstico e de seu laudo.

Agora a criança tem direitos assegurados pela legislação que facilitarão a caminhada desta criança no meio acadêmico. A escola precisará dar o suporte diferenciado que estas crianças precisam. Isso pode incluir um auxiliar de sala que lerá as provas em separado, permitirá o uso de calculadora nas provas, reposicionará a criança na sala de aula de forma a permitir melhor visualização da lousa e atenção, permitirá ao professor um olhar diferenciado para as dificuldades da criança e portanto um suporte especial para suas necessidades, entre outras providências que o neuropsicopedagogo estabelecerá por escrito no laudo.

Periodicamente passará a existir um acompanhamento desta criança após o diagnóstico para avaliar seu progresso. Eventualmente algum medicamento poderá ser prescrito, no caso do TDAH – pelo profissional neurologista.  Mas lembrem-se: cada caso é único e as indicações mudam bastante. Existem níveis diferentes de acometimento e de prejuízos decorrentes destes. É importante lembrar também que os pais podem se beneficiar inclusive de descontos na aquisição de um veículo por exemplo com tal diagnóstico. A legislação prevê tais situações e as regras para tanto. Um adulto disléxico pode ter dificuldades para tirar sua habilitação para dirigir.

A criança com dislexia ou TDAH sofrerá algum atraso no aprendizado em relação ao resto da sua turma?

Com toda certeza. Se a criança não for diagnosticada, poderá ser sempre confundida como alguém desinteressada, desatenta, relapsa, desafiadora e etc… Ficará para trás pois a tendência é não acompanhar a turma e não terá o suporte da legislação para ajudar a superar suas dificuldades.

Quais são as melhores terapias para tratar desses transtornos? O uso de medicamentos é recomendado?

Como dito anteriormente a medicação para o caso de TDAH poderá eventualmente ser prescrita pelo neurologista, a depender de seu critério diagnóstico, do grau do TDAH. De toda forma, ele é o único profissional que dentre todos os demais que fazem parte da equipe multidisciplinar, poderá prescrever medicação, caso necessário. Por outro lado, o olhar para a aprendizagem e suas dificuldades, bem como o acompanhamento escolar para a superação é parte do trabalho do neuropsicopedagogo.

O neuropsicopedagogo de posse de seus testes diagnósticos, de seu conhecimento sobre o desempenho escolar esperado e após ouvir a familia, a escola, os demais profissionais da equipe multidisciplinar, o aprendente (a criança) e analisar tudo isso (incluindo a anamnese – questionário da vida da criança), decidirá quais encaminhamentos fará e posicionará os profissionais perante seus achados e suspeitas, que podem ou não ser confirmados pelos outros profissionais em suas áreas de especialidade. Por isso que dizemos que trabalhamos nessa fase do diagnóstico com a construção de um sistema de hipóteses.

Os trabalhos que então serão realizados pelo profissional neuropsicopedagogo dependerão de cada caso. O objetivo aqui é conseguir a adesão da criança ao tratamento. Sem isso não terá sucesso. As estratégias certamente passarão pelo lúdico, além de terem o componente acadêmico, escolar. Nós por exemplo aqui na CETAA – Centro Tecnológico de Apoio a Aprendizagem fazemos uso da Robótica Inclusiva, ou da Robótica Infantil fornecidos pela Roblocks. É um material ótimo para conciliar aprendizagem de forma lúdica e divertida, associada ao momento escolar da criança e tecnologicamente em linha com o que elas estão acostumadas e desejam. É uma ótima forma de conquistar as crianças para o trabalho a ser realizado. Isso é determinante para o sucesso da proposta terapêutica. Esta ferramenta leva o nome de RobI – Robô Infantil ou ainda Robô Inclusivo. Não tem limite de idade e é aplicável a partir de 3 anos de idade, não requerendo alfabetização da criança.

No próximo artigo seguiremos falando das Dificuldades de Aprendizagem. Até lá…

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