Com tudo, por tudo e apesar de tudo, teremos carnaval

Com tudo, por tudo e apesar de tudo, teremos carnaval

17 de outubro de 2021 0 Por Haroldo Barbosa Filho

Uma pandemia medonha colocou o mundo de joelhos. Foram milhões de entes queridos, de todas as partes, para um lado único e sem volta. Até hoje, é complicado afirmar se as vacinas aplicadas realmente funcionam como se apregoa
e se espera. Mesmo assim, teremos carnaval.

A crise atingiu as bolsas de valores e o bolso do povo. A produção nos campos desabou, o preço dos alimentos explodiu e a fome chegou a galope. Países se digladiam e a ameaça de guerras está pairando em todo o planeta. Mesmo assim, teremos carnaval.

Como é bom não pensar em nada disso, não é? Teremos carnaval. A morte não combina com a festa de momo. Viva o carnaval! A produção industrial foi para o brejo, o desemprego e até o preço dos combustíveis foi para as alturas? Ora, é preciso dar um tempo nas más notícias, né? Não dá para viver só de fatos negativos. Principalmente, quando se trata de carnaval, o máximo da alegria que deve ser expressa para o povo. O carnaval é tudo. A nobreza ficará nos camarotes e os plebeus no asfalto, todos cobertos por confetes e serpentinas.

As escolas pararam e os livros ficaram cheios de poeira. Que importância isso tem? O que vale é o som alto e bem estudado das baterias das escolas que valem a pena, as de samba. Ali, sim, há cultura. Uma cultura que não promoverá instrução que nos leve a conquistas tecnológicas e evolução moral, mas fará com que a mente vá para o espaço, levando junto o espírito.

Haverá um lamentoso minuto de silêncio antes da apresentação de cada escola de samba, como tem ocorrido ao final dos telejornais e antes de serem iniciadas as partidas de futebol? Os participantes da farra terão que apresentar um passaporte sanitário para confraternizar? Claro que não, pois é carnaval, momento em que tudo, absolutamente tudo, é permitido.

De repente, quatro dias de folia em meio a multidões substituirão aquele discurso de pânico repisado milhões de vezes durante o ano todo: “fique em casa, a economia a gente vê depois”. Mas, quem se lembrará disso? As máscaras ditas obrigatórias serão trocadas por outras, brilhantes, tapando consciências e, por outro lado, deixando à mostra sorrisos e lábios realçados com batom de beijar. Afinal, respira-se carnaval e nada mais importa. O vírus dará uma trégua para os blocos passarem, certamente.

Enfim, é carnaval, onde o monopensar rima com hipocrisia, em um enredo triunfal. O que essas palavras significam, ninguém sabe, nem precisa saber. Vale o encaixe perfeito na letra e na melodia, acompanhada pela batucada e a evolução dos blocos. Mas, se não rimar, pode-se trocar o primeiro termo, com uma boa dose de picardia.

Ah, sim: se um cidadão clamar por bom senso e coerência, correrá o risco de ser chamado de carnafóbico, produtor de fake news e, sobretudo, antidemocrático. Com toda razão, pelos poderosos de plantão que, no alto de seu inquestionável conhecimento e sentido de legalidade, saberão definir o que é a pandemia, como usá-la e quando negá-la, de acordo com seu requebrado.

Para tudo terminar conforme uma quarta-feira de cinzas: o texto contém alegorias e mais alegorias de ironias.

Alalaô-ô-ô-ô… Alalaô-ô-ô-ô

Haroldo Barbosa Filho

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