O gavião antidemocrático
18 de setembro de 2021 2 Por Haroldo Barbosa FilhoNoutro dia, acompanhei parte de matéria de um desses jornais do início da tarde. Aos gritos, como cabe a muitos programas que pululam em nossos canais abertos, o apresentador falava sobre a invasão de um gavião a um bairro residencial. “O gavião ataca os pedestres”, bradava ele, sendo confirmado por flashes de pessoas que diziam estar muito assustadas com as investidas do pássaro quando transitavam pelas ruas. Outras se mostravam indignadas com a situação.
Confesso, não vi a conclusão do “causo”. Mas, fiquei com aquilo em mente, tentando me colocar no lugar das pessoas e do gavião.
De cara, tive a nítida comprovação do quanto nós, seres ditos humanos, somos egoístas. Pensamos e nos manifestamos como se os espaços nos pertencessem com exclusividade. Pior: fazemos isso em relação a nós mesmos. Formamos guetos de acesso restrito a nossos iguais, não só físicos como virtuais. Só quem possui um
dado tipo de mentalidade, é fruto de uma definida árvore genealógica e/ou participa de determinado círculo pode ser aceito. Isso vale para localidades, sejam artísticas, culturais, políticas… e até redes sociais. Fazer parte da “tchurma” é mais importante do que a capacidade, o talento, a disposição e as intenções. Ai de quem se expressar contra certas ideologias e segregações!
Se alguém tentar, por exemplo, levantar uma questão que contrarie uma dada afirmação tida como verdade absoluta, mesmo que essa propalada verdade seja claramente forjada, agrida o bom senso, machuque a constituição e/ou qualquer outro interesse… está fora. É execrado de todas as formas, acusado de conspirar contra as normas vigentes e banido. Não adianta estar certo: ficará só como Diógenes e terá um destino parecido com o de Sêneca. Este ser será, enfim, considerado um gavião que perturba e ameaça a “pobre comunidade perfeita”.
Também pensei em possíveis motivos que pudessem levar o gavião a atacar os passantes. Algum desses “donos do lugar” levou em consideração a possibilidade de que a ave pudesse estar com fome, tentando chamar desesperadamente a atenção para uma de suas necessidades básicas, que lhe foi tirada quando derrubaram árvores e capearam as ruas para estabelecer recantos aprazíveis tão somente para os humanos?
Da mesma forma, algum deles cogitou que o gavião pudesse ter um ninho de sua espécie por perto e o defendia, sabendo, por instinto, que provavelmente a morada de seus filhotes seria destruída, caso estranhos se aproximassem dela? Mais: que, ao dar fim ao ninho, iriam colocar em risco a preservação de sua espécie?
Enfim, algum desses “reclamantes” pensou que as rasantes em direção ás pessoas, bico aberto, pudessem ser as únicas maneiras do gavião simplesmente mostrar que existe e que também tem direito aos espaços?
Não, com certeza ninguém deu a menor importância a nada disso.
Tenho mais perguntas a fazer, principalmente aos doutos que estão prontos para me contradizer:
– Quer dizer que é assim: o gavião que procure outro lugar ou se submeta às ordens e ao jeito de ser desses seres superiores, não os incomodando?
– Do mesmo modo, enquanto ficar caçando ratos e espantando outros seres nocivos aos proprietários do lugar, o gavião serve? Porém, não quando deseja se expressar livremente, segundo sua natureza, correndo sério risco de ser encarcerado em um zoológico por isso?
Digo essas coisas, mesmo sabendo que estarei sujeito a todo tipo de ataque e interpretações distorcidas, porque ainda acredito em minha espécie. Ao menos em alguns exemplares dela.
No mais, não sou o dono da verdade. Peço apenas que o leitor pense.
Pense, levando em consideração que alguns seres humanos são, para certas castas, como o gavião desta pequena crônica.
Ironicamente, as castas que mais externam, em vão, a palavra democracia.
Haroldo Barbosa Filho
Sobre o Autor
Haroldo Barbosa Filho nasceu em 03.06.1961, é natural de Jardinópolis - SP e atualmente reside em São Paulo – SP – Brasil. É jornalista e redator publicitário. Como escritor e poeta, publicou as seguintes obras: • "Milagres acontecem" - obra de espiritualidade – Editora Vozes (2004). • "Se eu consigo, você consegue" – obra de sociologia – Editora Vozes (2004). • "Um anjo no Paraíso" – romance histórico e biográfico sobre a vida de São José de Anchieta e sua participação na história do Brasil Colônia (Século XVI) – Edições Loyola (2009). • “Gwendydd” – romance – Clube de Autores (2010). • "Yamiuna" – romance juvenil – Editora Cuore/Editorial 5 (2011). • "Caminhos" – obra de sociologia – publicação da Prefeitura de São José dos Campos (2011). • “Cadê meu lanche?” – conto infantil – Editora OAK Books (2016). • “Um dia, uma vida” – poemas – Editora OAK Books / Clube de Autores (2016). • “Histórias pra gente ler enquanto cresce” (em inglês: “Stories for us to read while we grow up”) – conto infantil publicado em nível internacional pela Amazon (2016). • “Breves Palavras” (em inglês: “Brief Words”) – livro de poemas bilíngue publicado em nível internacional pela Amazon (2017). Também participa com poemas nas coletâneas: • "Mulher e Ponto & Homem e Ponto" – Editora Litteris (2014). • "Diário do Escritor 2015" – Editora Litteris. • Primeira Coletânea Literária da Academia Luminescência Brasileira – Poemas (2016). • Coletânea “Mulher é inspiração, homem é gratidão” – Editora OAK Books – Poemas (2016). • Coletânea “Asas à Poesia” – Editora Liberum – Poemas (2017). • É vencedor do V Prêmio Canon de Literatura, com poema publicado em coletânea pela Editora Scortecci (2012).
2 Comentários
Deixe um comentário Cancelar resposta
Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.
Magistral texto! Nós não somos dono do planeta terra; nós fazemos parte: como o gavião e outros seres. Adorei essa preciosidade de texto amigo poeta e jornalista! Grato por poder ler seus excelentes textos e reportagens. Um abençoado e gracioso fim de semana para você e todos os familiares!
Seu comentário é um enorme incentivo, caro Wilson! Espero corresponder sempre às suas expectativas. Forte abraço!