No quebra-cabeça da minha vida!

No quebra-cabeça da minha vida!

3 de outubro de 2022 0 Por

Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.

Sigmund Freud

O velório e o enterro do meu pai foi um dos dias mais tristes da minha vida, mas também um dos mais bonitos. Em meio a tanta dor e tristeza, vi harmonia em cada pessoa e cada gesto, como num roteiro sensivelmente escrito, que naquele momento se desenvolvia com perfeição. No silêncio de nossas dores, a beleza da última despedida.

Eu vi isso na fala de minha mãe, ao se despedir pela última vez do meu pai, no abraço em meu filho, no peso incalculável nos olhos de meus irmãos ao carregar o caixão, no olhar desolado de meus sobrinhos, na leveza triste de minha irmã e em vários que fizeram sua última homenagem.

Numa dor que não se mede e nem se sabe que dia acaba, ela estava lá: a beleza da vida, se sobrepondo de alguma maneira sobre a morte.

Meu pai se foi, mas me ensinou também no dia de sua morte. De uma das maiores dores, sua ida me leva agora a outra versão.

Num ano de significativas perdas, a vida ordena sair do lugar. O enterrar alguém dessa importância é visitar o fundo do poço e encontrar lá um conjunto de enigmas para se seguir em frente. Há uma solução, mas não se sabe qual e nem para onde ela leva.

A vida continua, com todas as dificuldades que se fizeram: a perda de meu pai, o despertar de um sonho de décadas quase realizado, que se esvaiu, poucos dias depois. E uma decepção irreparável relacionada a confiança e amizade. Mesmo uma dor tão intensa não vem sozinha. Ela veio duramente acompanhada.

E agora? Toma-se impulso no fundo do poço, enche-se de coragem, a partir da ferida e indignação com tudo que se perdeu, se sentiu e ainda se sente.

 – Vai!

Quando olho ao meu redor, enxergo com perfeição problemas de décadas que agora simplesmente se desmancharam no ar. Outras peças se encaixaram. O abraço de minha mãe, seu olhar de admiração em meu rosto, de um jeito que nunca tinha visto antes. As horas de conversa com meu filho ainda ontem, sobre assuntos tão essenciais sobre nós mesmos. As feridas que se cicatrizaram, a vida pedindo mais:

– Ei, segue! Vai em frente! Não está vendo o que eu consertei aqui e ali?

E agora, qual é a peça seguinte?

É complexo envelhecer. A percepção dolorida sobre o tempo, da vida se esvaindo entre os dedos. Ainda que tantas peças se mostrem perfeitamente encaixadas, percebo o amor que falta, a coragem de ganhar o mundo outra vez, a ousadia de deixar o controle, de não pensar no amanhã e simplesmente viver o agora.

Este é o meu chamado, esta é a próxima peça: o agora que me direciona para um viver que nunca tive. Sem desespero, ansiedades, preocupações e tantas responsabilidades. Já não quero mais ser melhor.

Me foge a vontade de crescer para o mundo, e chega o querer ser mais para mim mesma : rir e me aventurar naquilo que nunca me permiti.

No quebra cabeça da minha vida, a próxima peça é a natureza e uma liberdade única. Sim, eu digo sim!

Dentre tantas dores e belezas que já vivi, sigo para este lugar, que não sei bem ainda qual é, parecem muitos. Um lugar livre, que começa dentro de mim e me leva a vários lugares deste mundo. Pessoas, descobertas, sabores, simplesmente vida!

Parei de querer crescer!

Agora eu vou viver!

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