Eu estou voltando para casa
25 de março de 2022Há sete anos atrás, comecei e terminei meu primeiro livro com a frase acima. Foi a primeira e a última afirmação, embora quase nenhum leitor tenha percebido. Naquela época, eu carregava o peso de ter sido estrangeira, e por consequência, ter sido estrangeira de mim mesma.
Hoje me dou conta, de que o que sentimos falta é da gente mesmo. Do que se foi um dia, do que se sentiu. De um meio onde se foi aceito, e de tudo o que isso representa.
Eu posso escrever agora: “eu estou voltando para casa”, mesmo que eu não dê um passo do lugar onde estou. O voltar para casa, com o passar do tempo e a maturidade, pode significar o discernimento e consciência do voltar para si mesmo, ao que já se foi um dia. O auto respeito, num meio ou fase da vida, que levou a paz interior, a auto estima, e todo amor envolvido: o amor próprio, o amor pelos outros e pela própria vida.
A saudade de si mesmo é uma das que mais se sente, pois é quando se perde a essência de quem se é, e a conexão com tudo o que já se foi. Por vezes, nos faz esquecer até mesmo aqueles que nos amaram, independente da fase em que vivemos.
E agora, eu estou voltando para casa. Para as memórias dos meus. Dos amigos que nunca se foram, das piadas, das quais ainda não parei de rir. Para a memória atemporal de todo amor que um dia senti.
Eu estou voltando para casa, para entrar pela porta da frente e dar de cara com tudo o de melhor que um dia já fui. Vou rever a alegria e riso contagiantes que um dia tive e toda leveza que levava comigo. Vou rever os dias em que ainda não havia conhecido um mundo cruel e superficial, interesseiro e sem ética.
Eu estou voltando para casa, e mesmo que entre pela porta dos fundos, irei sentar comigo mesma e bater um papo na mesa da cozinha, brincar com os velhos gatos e cachorros, que de alguma maneira ainda estarão lá, para me receber.
Voltando para casa, irei revisitar o meu quarto de criança, as velhas bonecas que já nem existem mais, os bercinhos, almofadas, tantos quadrinhos e detalhes de menina. Inocente que eu era. Quando a beleza era sublime e eu a fazia em todo lugar.
Eu estou voltando para casa. Para o tempo em que o amor era fácil, a vida era simples e o futuro era algo distante.
Estou voltando para o tempo em que tudo era bom. E quando não era, iria ficar.
Estou voltando para o meu porto seguro, para aqueles que me amam e não me julgam. Estou voltando para o lugar de onde nunca deveria ter saído. Onde há o respeito, a confiança e os risos de cada dia, assim como o pão.
Eu estou voltando, para deixar de sentir saudade, reencontrando minha força interior. A aceitação de todos os meus defeitos e fraquezas, de tudo o que outros não puderam suportar, mesmo sem sequer perceber as dores que haviam por trás.
Eu estou voltando para casa, para tudo o que um dia eu fui. Já posso ouvir a minha risada ao longe, contagiando a todos com as minhas bobagens, outrora tão habituais. O riso fácil de quem vivia e fé e a esperança.
Estou voltando para casa, para o tempo onde eu vivia o presente, não pensava em qualquer passado e não me preocupava com o futuro. Estou voltando para lá.
Posso sentir o vento balançando as folhas das árvores, o friozinho arrepiando os pelos dos braços, o cheiro de bolo saindo do forno, uma casa cheia de amor.
Um lugar onde eu sempre irei voltar.
Sim.
Eu estou voltando para casa.