A guerra de dentro!

A guerra de dentro!

21 de novembro de 2022 0 Por

– Com licença, com licença, aonde você vai?

– Não sei.

– Mas você está chorando, está com fome, sede. Por que não para?

– Não posso.

– Mas aonde você vai?

– Não sei, já disse.

– E esse menino que arrasta com você?

A criança seca algumas lágrimas na manga da jaqueta.

Silêncio.

– Por que não me responde? Quero ir com você.

– Mas eu não sei aonde vou, não tenho nada para você.

– Mas eu quero ir. Me leva com você?

– Não tenho forças.

– Ainda assim, eu quero ir.

– Pois não devia, só tenho medo.

– Eu posso ajudar.

– Não acredito!

– Me leva com você?

– Por quê?

Ela desiste de brigar comigo.

A mulher para e olha seu entorno, enche o peito e encara o rosto do menino, cansado. Volta a andar.

Pergunto outra vez:

– Para onde vamos?

– Um país vizinho.

– Um qualquer?

– Qualquer um que nos acolha, que não nos mate.

– Você não tem um de sua preferência?

Ela para e olha para trás:

– Ficou lá.

– Quem sabe um dia você volta?

Ela retoma sua caminhada:

– Não posso pensar nisso.

– Por quê?

– Pode demorar uma vida

– Para onde vamos, doce menina?

– Não sei.

Ela olha seu filho, tocando o capuz em sua cabeça.

“O acolhimento, que não consegue nem para si mesma.”

– Alguém te espera?

– Não?

– Tem dinheiro?

– Não.

– Mas está com fome.

– Sim.

Ela cai no choro e abraça a criança.

– Mamãe, estou cansado, cadê meu pai?

“Na guerra!”

– Trabalhando, meu filho, ele vai nos encontrar depois.

Eles seguem caminhando.

– E a minha escola?

– Vamos achar outra.

– O meu cachorro?

– Alguém vai cuidar dele. Você vai ter outro cachorro, você vai ver.

– Mas eu queria o meu.

“Pobre criança! Ninguém ficou com o cachorro…”

– E os meus amigos?

– Você terá outros, aonde estamos indo.

– Meus brinquedos?

– Um dia, vamos comprar brinquedos novos.

– Minha casa?

– Vamos ter outra, filho.

Ela disfarça algumas lágrimas e segue, como se olhasse para o nada.

Volto a falar com ela:

– A vida não acabou!

– Acabou sim, foi tudo destruído, tudo ficou para trás.

– Mas há o “para frente”.

Ela fica imóvel uns segundos, apenas olhando.

– Como levar você comigo?

– A vida é sempre para a frente, menina.

Ela fica de cabeça baixa, muda.

Tento novamente:

– Vida é impermanência, estamos aqui para aprender e sempre seguir em frente.

– Pois eu queria ir para trás.

“Você sabe, que não é possível!”

Ela fala mais alto:

– Como acreditar numa vida que segue para frente, num mundo onde as pessoas destroem, matam, e pelo que?

Ela chora:

– Pelo que???

“Eu sei…, compreendo sua revolta!”

– Destruíram meu país.

– Foque no para frente, você vai encontrar momentos bons e pessoas melhores.

– Difícil é o que eu carrego.

– Mas você disse, que não tem nada. O que você carrega?

Ela chora:

– O vazio de tudo que vivi, conheci, tinha e agora não existe mais.

– Existe sim, dentro de você.

– Mas virou dor.

– Se você ressignificar, vai virar força e maturidade, um dia.

– E quando isso vai acontecer?

– Um dia.

– E até lá?

– Caminha!

Horas de caminhada, sede, fome e dor. Choro, medo e cansaço.

Do outro lado, pessoas carregando placas e o som de várias línguas.

Uma mulher falando outro idioma abre os braços, para a menina.

– Welcome, welcome, you are safe now.

Ela chora, fica de joelhos no chão e cai nos braços da mulher. O menino também.

Ela olha em volta e reconhece dezenas de iguais.

Agora agradece:

– Спасибі!

A mulher alemã lhes entrega água e sanduíche. E caminham!

Para a frente!

Eu apenas sigo com ela!

Sua Esperança.

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