A todas as Alices e Damas de Copas

A todas as Alices e Damas de Copas

12 de dezembro de 2021 0 Por Haroldo Barbosa Filho

Tenho receio de me transformar em chapeleiro maluco, em um mundo que se organiza para o caos. Onde as expressões resultarão em “cortem-lhes a cabeça”. Que se prepara para implantar salvo-condutos que permitirão farelos de liberdade a alguns e concentrações de sentenças aos demais. Onde o divisionismo de todos os tipos separe o ser humano do ser humano. Onde a música estimule os prazeres momentâneos do rebolar e não pensar, eternizando o desamor da alma. Onde a verdade se torne somente uma retórica e os livros que a mostram sejam substituídos pelas cartilhas ideológicas de ocasião. Onde toda poesia seja deixada à sanha das traças em uma estante oculta. Onde o Papai Noel das crianças de todas as idades não seja mais o Santa Claus que traz presentes de esperança, eliminando-se a palavra Natal. Onde a pomba não seja mais o símbolo da paz, engolida pela imagem do dragão com patas de leão e cabeça de leopardo. Onde toda gente, de tão paralisada, desaprenda a caminhar. Onde os sonhos sejam lançados em um buraco, em cujo fundo um coelho falante repetirá sem parar, arrancando sorrisos irônicos de um gato listrado: “estamos atrasados”.

ENTÃO…

Um dia, uma menina chamada Alice caiu em um buraco.
Levou uma pancada na cabeça.
Começou a ver bichos com roupas.
Conversou com coelhos.
Brigou com cartas de baralho.
Quando acordou, estava em uma enfermaria para lunáticos.
Perguntou a respeito de um certo gato risonho.
Disseram que o delírio passaria.
Deram uma dipirona para a dor e a mandaram embora.
Ela desistiu de contar a história.
Seria um textão.
Só que ninguém lê textões.
Esperou o galo sumir da testa.
Esqueceu completamente da pancada.
Voltou a se divertir nos pancadões.
Aquilo, sim, era uma maravilha.
Fim.

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